Após um final de semana sentimentalmente cansativo e uma
segunda-feira de trabalho de volta de recesso judiciário, decidi ir
ao bom e velho Cosanostra, que sempre posso ficar no balcão sem
incômodos. Logo surgem os habitués
do local. Primeiramente Romeuzito, com a sua simpatia peculiar
e o seu perfume sempre em dia e, após, a esquadrilha da fumaça
completa. Saímos pra fumar e eu, sempre ligado no celular, já um
pouco mais relaxado e tranquilo.
Fugi deles e voltei pro balcão. Queria a minha introspecção
solitária de franciscano enclausurado, ainda que conectado nas redes
sociais da vida. Sem comer desde o almoço do dia anterior, pensei em
pedir um tira-gosto quando, vejo passar na frente do Cosa o
Edney, voltando pra casa. Claro que o chamei e sentamos na frente
para termos mais liberdade pra fumar.
Conversa sempre deliciosa. Cara
incrível e um grande amigo, fiel e parceiro, fizemos
piadas sobre as nossas vidas perdidas, arte (a arte é inútil, como
diria Oscar Wilde no prefácio de Dorian Grey, mas mesmo assim, eu e
Edney, concordávamos que vivíamos dela, de certa forma) e
conversamos muito sobre desilusões
– ou ilusões – amorosas.
No meio da conversa, apareceu
um jovem nervoso
vendendo um chaveiro. Aparentava
não mais que 26 anos, gaguejava. Estava vestido com uma camisa
branca amarrotada de mangas compridas e velha, com os punhos
enrolados até o meio do antebraço, calças jeans clara e surrada e,
o que me chamou atenção, umas sandálias havaianas brancas, que mal
cabiam no pé, fazendo com que os dedões ficassem pra fora da sandália,
encostados no chão.
Dizia ele, com
a voz embargada e pronunciando as palavras pausadamente como quem não
conseguisse concatenar as ideias, que
já vendeu todos os chaveiros
que ele mesmo produziu
e que somente faltava este, que estava espalmado na sua mão e
que venderia por qualquer valor.
No que pese a figura amena do jovem,
logo veio algo que tensionou minhas costas e, particularmente, a
minha omoplata. Senti que estava em uma bolha, que me puxava as
energias e me deixava
apreensivo.
Edney logo falou para o jovem que
não queria o chaveiro, mas queria ajudá-lo e perguntou como seria.
O Jovem, muito constrangido e gaguejando disse, dando uma pausa de
alguns segundos, que seria com dinheiro. Logo, o meu amigo puxou uma
nota de vinte reais e deu para o jovem, que se virou pra mim, ainda
que tivesse sido o Edney que tivesse dado o dinheiro, tentando me dar
o chaveiro espalmado na sua mão e reafirmando que ele mesmo tinha
feito. O Edney puxou a atenção pra si e disse pra ele levar o
chaveiro e vender pra outro, que talvez conseguisse algum valor.
Instantaneamente toda a carga que
pesava sobre as minhas costas foi
embora, ficando apenas um resquício que
ainda paira agora.
Com o jovem longe, Edney me fala que
aprendeu a respeitar as criaturas da noite e me pergunta se eu sei o
que era o chaveiro. Digo que não e ele me fala que é o machado de xangô.
Da base, em 22/01/2019.
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