sexta-feira, 16 de setembro de 2016

A Encantadora de Crianças

A primeira vez que a vi foi na antessala de um consultório. Bela, altiva e, principalmente, com a confiança típica da juventude.

Na hora a dúvida de confiar a criança da casa, nosso maior bem, àquela jovem, que logo nos primeiros dias se dissipou, ante a clara segurança no que estava fazendo e a técnica utilizada, que demonstrava o conhecimento dos melhores profissionais.

Era impressionante como ela conseguia fazer com que o menino, em poucas horas, fizesse tudo que ela queria. Parecia encantado, com uma diferença, mesmo quando ela nos deixava, permanecia sob o encanto, levando o conhecimento aprendido com o feitiço para toda a vida.

Estávamos vivendo a fábula de Hamelin. Aliás, a melhor parte, pois além de conseguir que o ratinho a seguisse ao som de sua decidida flauta, conseguiu, inclusive, em episódio emocionante, que o próprio ratinho tocasse o instrumento.

Nestas tardes diárias, ainda apareceram o riso fácil, a alegria, e mesmo algumas doses de autoritarismo, que acabou encantando todas as outras crianças da casa, ainda que todas estas outras estivessem na casa dos trinta ou mais.

Foi aí que se deu a outra fábula, a de Lewis Carrol, e lhe cortaram a cabeça.

Infelizmente foi embora, por uma falta de opção ou mesmo de coragem nossa, não sem antes nos deixar um vazio no peito e nas nossas tardes, que já estão mais tristes.

Fique bem e que Deus lhe reserve um grande caminho. Quero lhe ver sempre como da primeira vez, bela, altiva e confiante, com os nossos agradecimentos eternos.

Da base.

sábado, 3 de setembro de 2016

A Moça do Mercado da Ribeira




Depois de um dia todo no Zoológico de Lisboa, extenuante, correndo com o filho para ver golfinhos, leões, zebras e antílopes, o pai decidiu não voltar para o hotel e partir direto para o jantar. Afinal, se o moleque voltasse, não iria querer mais sair do quarto. Muita discussão depois, decidiu, o casal, conhecer o Mercado da Ribeira.

Táxi, perguntaram se estava aberto - domingo, em Lisboa, muitos lugares fechados -, e chegaram ao mercado belamente restaurado, hoje repleto de bares e restaurante, incontáveis os tipos de comidas e bebidas, e muito boa qualidade. Acomodou a esposa e o filho em uma mesa coletiva concorrida, saiu para buscar urgente o jantar do filho, sob as regras da mãe do tipo de comida! Jantar preparado e entregue, foi viabilizar as relaxantes taças de vinho.

Wine Bar no centro do salão. A atendente, uma loirinha, olhos azuis e a pele alva da península, um sorriso com a boca desproporcional das mulheres lindas, acolhedor e ao mesmo tempo sensual, como uma Julia Roberts juvenil.

O corpo serpenteava uma falsa magreza, que dava para prever, mesmo sem ter visto, as nádegas firmes e redondas, escondidas, cuidadosamente, em um shortinho preto formal, que para baixo saiam as pernas finas, proporcionais e cuidadosamente fabricadas em um torno divino e, para cima, uma blusa branca de seda, na qual os dois pequenos montinhos poderiam ter sido dados por uma Ninfa.

De longe possuía um ar doce e angelical, uma fadinha sem asas, como se fosse de porcelana, ar esse que logo se desfez quando se aproximou.

Continuava linda, mas se apresentava discretamente simpática, quando tascou logo um "hello" de atendente pensando que o marido era inglês ou americano, com uma simpatia objetiva. Aliás, a simpatia objetiva também foi o mote do profissionalismo, quando disse que queria um bom vinho da região que, olhando nos olhos do cliente, puxou uma taça de um armário baixo e disse, com a segurança de um sommelier italiano: - Esse é o meu preferido! Douro!

Servida a prova do líquido cor de sangue, rodou o vinho no copo sutilmente para respirar - ou, o mais provável, para demonstrar para a moça que não era tão ignorante na arte de baco - e realmente o vinho era delicioso!

Cumpre dizer que, ao tempo que estava provando, a moça atendia vários outros clientes com a mesma simpatia, permeando com perguntas sobre se gostava de mais frutado ou com mais estrutura, que demonstrava o conhecimento do que estava fazendo, mesmo com a sua pouca idade.

Disse que era esse e que queria duas taças. Retornando à mesa, o casal bebeu a taça de vinho, sem que o homem pudesse se desligar da imagem da ninfeta, que abreviou o término, logo voltando para comprar mais.

Com a coincidência previsível, lá estava a moça, outra vez com as mesmas perguntas objetivas sobre como os clientes queriam o vinho: - Mais estrutura? Qual região? Sempre com a tal simpatia objetiva que envolvia os homens e deixava alguns embasbacados tentando demonstrar os seus parcos conhecimentos enófilos.

Era isso que encantava e seduzia: a simpatia e o conhecimento dos vinhos. Com objetividade, sem firula, apenas o conhecimento dos vinhos e, claro, a beleza de uma escultura renascentista, ainda que discreta.

Por uma terceira vez o marido foi ao Wine Bar, obviamente para o vinho mas, pensando que não seria nada mal ver a loirinha outra vez.

Chegou ao local, a moça não estava mais. Estava atendendo em seu lugar um jovem de cabelos castanhos-aloirados, um pouco grandes, penteados para trás e seguros com gel, alto e atlético, com a similar camisa de seda que revelava um peitoral protuberante e lhe dava um ar de amante italiano de filmes de comédia romântica.

Sem mais o sorriso abobalhado que estava das duas últimas vezes, o marido disse seco: - um Porto e um cálice de vinho tinto, e retornou prontamente para a mesa com a esposa, sem deixar de pensar que é melhor, a partir de agora, não deixar a esposa comprar vinho no Wine Bar ...


Da Base.