terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Último dia da década

Enquanto dormem, desço a Barata Ribeiro
Na contramão, desce todo o Rio de Janeiro 
E o Brasil, e a Europa, e o Mundo...
Junto, a mentalidade burguesa de não ver os mendigos
Os ambulantes de toda ordem
Quatro adolescentes sem camisa, de cabelo pintado de loiro, gritam rindo que é arrastão
Subo a Figueiredo
Flores... muitas flores...
Festa do candomblé e mesmo de quem não entende o ritual
Cruzo o shopping dos antiquários em busca da Adega Pérola 
Fechada
Desço a Siqueira Campos 
Real Chopp, Real Sucos há quinze anos
O movimento é constante
E os bêbados da saída da praia também
Certamente ficarão em casa esta noite
Se tiverem casa...
ou ficarão na rua
se encontrarem lugar na rua...
Três chopes e um pastel de carne
Hora de voltar para ver o réveillon
Copacabana não mudou
Nada muda.





Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 2019.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Toda Poesia - Paulo Leminski, Companhia das Letras, 2013

Leminski é um dos meus poetas favoritos! O Curitibano, com sua poesia contemporânea e sempre atual, me influenciou nas minhas mal rimadas linhas!

Este livro reúne todos os livros de poesias por ele lançados, inclusive vários esgotados, o que torna a obra parcialmente inédita e, podem acreditar, foi um dos livros mais vendidos no Brasil, feito glorioso para um livro de poesia! 

Mas não vou escrever muito. Vou deixar com uma poesia que me retrata:

EU QUERIA TANTO


eu queria tanto 
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto 
ser um poeta social
rosto queimado 
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois 


E.t.: Registro que é o primeiro livro que leio no Kindle e gostei muito pela praticidade!
Base, em 06/11/2019.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Castanha do Pará, SESI-SP, 2018


É um quadrinho que procuro há algum tempo. Estava sendo muito cultuado em alguns fóruns. Comprei na última FLIPA, a Feria Literária do Pará, na Livraria Fox e li no mesmo dia.

É uma estória em quadrinhos que se passa em Belém, principalmente nos bairros da Cidade Velha e no Ver-o-peso. Conta a estória de um menino de rua com a cabeça de urubu, o Castanha, em um gênero neorrealista, inspirado no conto “Adolescendo Solar”, do escritor paraense Luizan Pinheiro.

A obra de Gidalti Jr é primorosa, as ilustrações excelentes e o diálogo, tipicamente paraense, muito bem adequado a obra.


Gostei muito e indico a todos.

Da base.



Ofício de Escrever, Anfiteatro, 2017


A primeira vez que ouvi falar de Frei Betto foi no ano de 1989, quando entreguei a lista de livros da escola para o meu pai, que leu a requisição de um livro da matéria Organização Social e Politica Brasileira – OSPB de autoria do Frei Betto. Meu pai, então morávamos no Rio de Janeiro, chamou a minha mãe, falou o nome do Autor e riu.

Óbvio que, com 15 ou 16 anos, não entendi o motivo do riso, de uma criança estudar, em uma pós-ditadura militar recente, uma matéria que, em que pese inventada por Jango, foi completamente reformulada no regime militar e um jovem professor carioca indicou logo o livro de um “terrorista”, inclusive preso e exilado durante a ditadura. E estudei OSPB no livro do Frei Betto.

A segunda vez, já sabendo quem era, vi Frei Betto no Aterro do Flamengo, no ano de 2012, quando foi ovacionado em uma apresentação na Conferência Rio+20, participando de uma palestra sobre Biodiversidade.

Pois bem, revisitei Frei Betto neste livro, que pretende expor como o Autor produz, a sua forma de criação literária e explicita formas de criar de alguns autores, brasileiros e mundiais. São dicas de como se escrever e os estilos literários mais variados.

Ainda que não exponha claramente, penso que são sugestões para escritores pois, pelo menos para mim, muito do que foi sugerido não funcionaria e nem teria como funcionar – como o caso de isolamento por quatro ou seis meses por ano – e os estilos literários não se aplicam.

Mas é um livro válido, demonstra estilos e dá algumas sugestões, que é bom conhecer.



Da base.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Carnaval Portenho


Penso em ti nua
com o vinho emoldurado nos seios
andando na sala
a voz suave e doce

Sombra de Borges
manhãs quentes e noites frias
sem samba
A minha vida vazia

Malbec
Outro poema vazio
Esquento as lembranças
No copo frio

Buenos Aires, madrugada de 04/03/2019.


sexta-feira, 9 de agosto de 2019

O triste fim da Era Jatene


Li recentemente uma reportagem da Folha de São Paulo cujo título é “120 cidades do país concentram metade dos homicídios” (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/08/120-cidades-do-pais-concentram-metade-dos-homicidios.shtml?utm_source=app&utm_medium=push&utm_campaign=pushfolha&id=1565081345), que o Estado do Pará é uma constante na matéria e me lembrei de alguns pensamentos que escrevi em uma das minhas noites de insônia no final do ano passado e que não publiquei. Segue o texto atualizado e com percepções de agora:


Pois’é, após 12 anos acaba a era Jatene no Estado do Pará. E acaba de forma lamentável. O Governador que governou o Estado do Pará por três mandatos deixa tristes legados ao Estado e aos paraenses.


Una-se a isto os índices de saneamento básico, no qual o Estado do Pará possui apenas 1,18% de tratamento de esgoto (fonte: https://g1.globo.com/pa/para/noticia/para-tem-um-dos-piores-indices-de-saneamento-do-brasil-revela-pesquisa-do-trata-brasil.ghtml) disputando com Estados carentes como Amapá e Rondônia o último lugar.

Como piores índices do Brasil, não é estranho que o primeiro lugar dos piores Municípios com índice de IDH do Brasil se situa, claro, no Estado do Pará, que é Melgaço (Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1325495-isola-cidade-com-pior-idh-do-brasil-convive-com-palafitas-e-falta-de-saneamento.shtml ). Quanto aos Municípios com piores índices de IDH, mais vergonhoso ainda que são Municípios que ficam no arquipélago do Marajó, com abundância de frutos e peixes, não um Município inserido no sertão nordestino, em que até acesso à água é difícil, se não impossível.

Sai Jatene, apagado, com seus aliados e pessoas que deveriam estar junto com ele virando as costas e passando para a oposição, certamente pelo estado que deixou o Estado, com o perdão do trocadilho infame. 

Apenas como exemplo dos dois segundos maiores cargos do Executivo do Estado, o seu atual vice-governador Zequinha Marinho foi candidato a senador apoiado pelo seu maior rival e o vice-governador do mandato anterior, Helenilson Pontes, é simplesmente suplente de senador do maior opositor.

E não apenas isto. O seu Governo todo foi sustentado por propaganda e apoio da principal rede de televisão e jornal do Estado do Pará, que passou, no fim do mandato de Jatene, a criticar o seu Governo, vislumbrando já a saída apagada e envergonhada de um governo sem expressão, que preferiu se encastelar no poder e governar para os servidores públicos, retirando direitos e defenestrando pessoas de cargos, como a Rainha de Copas de Lewis Carrol.

Pelo que me lembro, não deixou grandes realizações. Ouso dizer que não deixou realizações.

Não entregou os hospitais que prometeu na campanha, não melhorou a segurança pública, a saúde e passou todo o seu governo brigando com os professores, classe a qual também pertence.

O seu principal projeto, a rua João Paulo II, que permeou os doze anos de seu governo, até o esboço final da crônica no final do ano passado, ainda não havia terminado. Para não dizer que estou sendo parcial, deixou a obra do Parque do Utinga, ainda que de forma reduzida. Não aquele Parque do Utinga sonhado, com um aquário de peixes de água doce e muitos outros brinquedos, mas é um espaço de lazer, como se a população paraense não necessitasse de muito mais que um local para passear.

Talvez por isso que o PSDB sequer lançou um candidato próprio, o que é uma vergonha para um partido que governa o Estado do Pará desde a década de 90, com um pequeno intervalo de quatro anos do Governo Ana Julia do Partido dos Trabalhadores. Decidiu, o Governador social-democrata que se diz socialista, apoiar Márcio Miranda, de um partido de extrema-direita, que é o Democrata. Lamentável não apenas pelo tempo que está governando o Pará, mas pela opção de um governo que sempre disse que ia fazer a "nova" política e se demonstrou o maior defensor da política antiga.

Aliás, Jatene apoiou Márcio Miranda, mas este não pareceu querer esse apoio de forma explícita. As campanhas veiculadas na televisão e rádio, pelo que vi na época das eleições, não explorou o governo em curso e nem mesmo a figura do Jatene. Quando a situação aparecia, preferia explorar o próprio candidato e quase nunca aparece o então Governador, como um filho adolescente que fica envergonhado quando o pai vai lhe deixar na escola.

Já com esta crônica alongada, o PSDB acaba a sua longa era no Pará, sem prazo de validade para voltar, saindo Jatene isolado, escondido e melancólico, envolto em diversas acusações de corrupção, como é o caso dos incentivos fiscais da Cerpasa e do uso da máquina pública através do Cheque Cidadão, que lhe rendeu a hipótese de estar inelegível pela Lei da Ficha Limpa, espraiando as denúncias e suspeitas aos filhos, como o caso da filha, que possuía cargo em comissão no governo, em que na campanha de 2014 foi flagrada em uma escuta da polícia em conversa com o Secretário da Fazenda Nilo Noronha, pedindo dados de empresários para aparente contribuições de campanha, e o filho Alberto Jatene, que foi preso temporariamente na operação Timóteo, que envolveu Silas Malafaia, por suposto recebimento de propina na conta de um de seus postos de gasolina. Inocentes ou não, estas foram as denúncias que permanecem até hoje sem explicações.

Triste sina para um partido político que tinha carinho e, confesso, acreditava em sua doutrina durante os anos 90, ainda mais considerando que meu pai foi um dos fundadores do PSDB no Estado do Amapá, sendo até mesmo candidato a Deputado Federal por esse partido, e o tio da Preta foi o que juntou os cacos do Partido da social-democracia quando Almir Gabriel perdeu as eleições para a Ana Júlia, sendo um dos principais responsáveis pela eleição do Jatene. Somente para não verem o fim do partido no Estado do Pará é que fico feliz que ambos já tenham falecido.

Não sou cientista político e nunca fui, mas tratam-se de percepções do dia a dia que são melhores revisadas e escritas após oito meses que Jatene deixou o Governo e, ao que parece, pela porta dos fundos.

Fim melancólico da Era Jatene e do PSDB no Pará, que me lembra Chico Buarque, quando canta “... eu bato o portão, sem fazer alarde/ eu levo a carteira de identidade/uma saideira, muitas saudades/ e a leve impressão, de que já vou...”

Esboço em 05/12/2018 e revisão nesta data, na laje.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Agnus Dei, 2016

O filme conta a estória de uma médica francesa comunista que, clandestinamente, começa a cuidar de freiras estupradas que ficaram grávidas em um convento da Polônia, após três ataques de soldados russos.

Discute questões da violência da II Grande Guerra, a fé e a perda desta, o cristianismo e o feminismo.

No que pese a sinopse isenta acima, que mais parece de um filme de terror, o fato é que é um grande filme, belo e emocionante!

Gostaria de contar o final, mas vou evitar!






quinta-feira, 18 de abril de 2019

Os Loucos da Rua Mazur, 2017



Em uma das minhas ressacas em um sábado de verão do ano passado, subi o Bairro Alto e me deixei levar à livraria Bertrand, não sem antes olhar a feirinha de sebos que se monta ao lado desta. Me permiti sair dos meus autores favoritos, quase todos mortos e decidi comprar algo local, de escritor contemporâneo. 

O atendente, muito gentil, me indicou alguns exemplares, dentre estes "Os Loucos da Rua Mazur", de João Pinto Coelho, me dizendo que a embaixada polonesa tentou proibir, inclusive, a circulação da obra. Confesso que não me empolguei muito, mas comprei o livro pela recomendação do atendente. Até começar a ler.

O livro conta a estória de uma cidadela polonesa no início da segunda grande guerra, especificamente de três amigos, o católico Erik, o judeu cego Yankel e a muda Shionka, filha de uma bruxa e cobiçada pelos dois. Se passa em dois momentos, antes e durante os dois primeiros anos da guerra, com a chegada primeiro dos russos e depois dos alemães, e no início dos anos 2000. Confesso que tinha prometido a mim mesmo não ler mais nada sobre o holocausto, mas o livro é excelente. Forte, com uma construção surpreendente e com uma escrita peculiar e de estilo. Aliás surpreendente do início ao fim, com a "Nota do Autor", que revelou a sua inspiração, fazendo com que o romance tenha dois finais, pelo menos foi o que pareceu para mim. 

De Jurerê, Florianópolis, Santa Catarina.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Rave em Veneza



Hoje o Facebook sinalizou que faz exatamente 06 anos de uma das melhores festas da minha vida.

No ano de 2013 decidimos passar o carnaval em Veneza. Após passarmos o dia na Piazza San Marco, a praça central, admirando as fantasias superelaboradas típicas do carnaval local e ouvindo música clássica (podem acreditar, o carnaval em Veneza é feito com música clássica), voltamos de Vaporetto (ônibus marítimo), pelo Grande Canal, ao mais que agradável Palazzo Sant’Angelo, hotel que estávamos hospedado.

Cerca de 22 horas locais, como um Doge, logo decidi que não ia passar a minha noite de carnaval no hotel!

O hotel ficava a meio caminho da Piazza San Marco e o Mercado de Rialto e saímos vagando indefinido, sem a menor intenção de nos direcionarmos à San Marco e suas músicas clássicas e fantasias suntuosas.

Após cerca de vinte minutos, chegamos ao Campo Sant’Angelo. Os denominados “campos” italianos são áreas largas, hoje em dia calçadas com pedras históricas, podendo ter ou não uma fonte. Neste caso não tinha. O que tinha, na hora, era um palco de metal com um Deejay, várias barraquinhas ao redor do Campo, também de metal, cobertas e com balcões, vendendo os mais variados tipos bebidas e comidas, especialmente sanduíche grego, pretzel, vinho quente e o Aperol Spritz, drink a base de espumante e um bitter, que faço até hoje em casa, depois que conheci neste dia.

E muita, muita, neve. Esqueci de dizer que Veneza estava sob temperaturas negativas, tanto que na noite anterior teve tanta neve em que o horário de entrada do hotel foi limitado - e nós, desavisados, quase não conseguíamos entrar no hotel -, tendo tido uma enchente em Veneza, em que o mar subiu vários metros, inundando inclusive o hotel. Na verdade, a título de lembrança, foi um fenômeno mundial, com influência da lua cheia, em que o Ver-o-Peso também inundou, para uma referência paraense.

Retornando, era uma rave. Apesar de a única parte da rave que gosto é que as vendas de cervejas não têm filas, pois os frequentadores, em face dos psicotrópicos, preferem as barracas de água, o fato é que esta estava bem divertida! Era composta de jovens locais, italianos e europeus, fora do circuito turístico!

E as fantasias, longe da suntuosidade e dos motivos medievais das da Piazza San Marco, eram mais contemporâneas e sem muitas preocupações. Um exemplo da que mais gostei foi a de Bender Bending, o robô alcoólatra e drogado de Futurama, que estava perfeita e o usuário também estava no clima da personagem.

Mas realmente o ponto alto foi a chegada de um jesus cristo. Um jovem esquelético de cabelos grandes ou uma peruca perfeita, vestindo somente uma tanga, uma coroa de espinhos e umas botas felpudas (afinal, nem Jesus Cristo ia aguentar aquele frio negativo descalço) chegou correndo pelo meio da plateia e pulou como uma pluma no palco, sob a ovação de todos os presentes. Após uma pequena apresentação, ainda sob aplausos, assumiu as pickups e tocou mais música eletrônica.

Eu, mesmo distante dos jovens e do palco, bebi vinho quente, aperol spritz e me empanturrei com um sanduíche grego. Grande festa, simples, despretensiosa e barata – o copo (de plástico, claro) de vinho quente, custava dois euros, bem diferente da Piazza San Marco, em que uma taça vinho facilmente chegava aos dez. Depois, já na madrugada, ainda tentei um bar que ficava na parte posterior do palco, mas a minha estória era a rave.

Finda a festa, tínhamos que voltar para o hotel. O frio insistindo em atravessar o nosso casaco e o meu GPS mental retardado pelo pequeno excesso etílico. Partimos pelas ruelas históricas da ilha, passando por minúsculas pontes sobre os canais, em caminhos cada vez mais apertados, em que, cada vez mais, pareciam todos iguais e com um ar sombrio e deserto de uma cidade medieval. Chegamos, inclusive, a rodar em círculos, o que gerou certo desespero mas, enfim, em um momento de sobriedade, lembrei do caminho de volta.

Um grande carnaval, muito mais pela rave do Campo Sant’Angelo que pela suntuosidade da Piazza San Marco.


Da base.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

A Livraria, 2017

O filme trata de uma viúva de guerra que decide abrir uma pequena livraria em uma cidade do interior inglesa e a resistência do povoado aos livros. Interessante é o relacionamento da viúva com o ermitão da Cidade, que teria parado de sair de casa após a morte da esposa, Mr. Brundish.

Dramalhão premiado, claro, e inglês, de qualidade, se passa na Inglaterra de 1959, com grande elenco e especial atenção para a grande atuação e o diálogo entre Mr. Brundish e Ms. Gamat.

Para amantes de livros.

Acompanhem com gim-tônica.



Da base.

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Fugindo


Fujo
No correr dos meus tênis
nos meus prazeres líquidos
na concentração do cozinhar
nos meus tragos ansiosos
no gato envolvendo a minha perna

A catarse sempre interrompida
a senhora Realidade entrando na sala
agora insiste na presença
logo eu que sempre fugi dela

E não permite esquecer do fim

Da base, em 10/02/2019.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

O Machado de Xangô


Após um final de semana sentimentalmente cansativo e uma segunda-feira de trabalho de volta de recesso judiciário, decidi ir ao bom e velho Cosanostra, que sempre posso ficar no balcão sem incômodos. Logo surgem os habitués do local. Primeiramente Romeuzito, com a sua simpatia peculiar e o seu perfume sempre em dia e, após, a esquadrilha da fumaça completa. Saímos pra fumar e eu, sempre ligado no celular, já um pouco mais relaxado e tranquilo.

Fugi deles e voltei pro balcão. Queria a minha introspecção solitária de franciscano enclausurado, ainda que conectado nas redes sociais da vida. Sem comer desde o almoço do dia anterior, pensei em pedir um tira-gosto quando, vejo passar na frente do Cosa o Edney, voltando pra casa. Claro que o chamei e sentamos na frente para termos mais liberdade pra fumar.

Conversa sempre deliciosa. Cara incrível e um grande amigo, fiel e parceiro, fizemos piadas sobre as nossas vidas perdidas, arte (a arte é inútil, como diria Oscar Wilde no prefácio de Dorian Grey, mas mesmo assim, eu e Edney, concordávamos que vivíamos dela, de certa forma) e conversamos muito sobre desilusões – ou ilusões – amorosas.

No meio da conversa, apareceu um jovem nervoso vendendo um chaveiro. Aparentava não mais que 26 anos, gaguejava. Estava vestido com uma camisa branca amarrotada de mangas compridas e velha, com os punhos enrolados até o meio do antebraço, calças jeans clara e surrada e, o que me chamou atenção, umas sandálias havaianas brancas, que mal cabiam no pé, fazendo com que os dedões ficassem pra fora da sandália, encostados no chão.

Dizia ele, com a voz embargada e pronunciando as palavras pausadamente como quem não conseguisse concatenar as ideias, que já vendeu todos os chaveiros que ele mesmo produziu e que somente faltava este, que estava espalmado na sua mão e que venderia por qualquer valor.

No que pese a figura amena do jovem, logo veio algo que tensionou minhas costas e, particularmente, a minha omoplata. Senti que estava em uma bolha, que me puxava as energias e me deixava apreensivo.

Edney logo falou para o jovem que não queria o chaveiro, mas queria ajudá-lo e perguntou como seria. O Jovem, muito constrangido e gaguejando disse, dando uma pausa de alguns segundos, que seria com dinheiro. Logo, o meu amigo puxou uma nota de vinte reais e deu para o jovem, que se virou pra mim, ainda que tivesse sido o Edney que tivesse dado o dinheiro, tentando me dar o chaveiro espalmado na sua mão e reafirmando que ele mesmo tinha feito. O Edney puxou a atenção pra si e disse pra ele levar o chaveiro e vender pra outro, que talvez conseguisse algum valor.

Instantaneamente toda a carga que pesava sobre as minhas costas foi embora, ficando apenas um resquício que ainda paira agora.

Com o jovem longe, Edney me fala que aprendeu a respeitar as criaturas da noite e me pergunta se eu sei o que era o chaveiro. Digo que não e ele me fala que é o machado de xangô.

Da base, em 22/01/2019.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Insônia

Ainda estou com sono, mas não consigo dormir. Após acabar o segundo cigarro, furtado do meu cunhado, constato que ainda não é o dia para eu parar de fumar. Deixo um bilhete no sofá, mesmo sabendo que ninguém vai ler. 


Parto da vista do mar, procurando cigarros. Subo a Miguel Lemos e desço a Nossa Senhora de Copacabana. Paro no primeiro bar a esquerda, como manda a tradição. Stalos é o nome. 


Bar lotado, apenas vaga no balcão, que é melhor, pois minhas costas doem, meio tensão de um dia difícil, meio resposta de uma vida toda sentado.


Compro um chopp e, após dar um trago, vontade de escrever. Difícil escrever no celular, preciso do meu computador. Um jovem de cabelos descoloridos fica me olhando e me analisando, enquanto outro jovem lhe acaricia as costas. Talvez seja a minha camisa do Morrissey que tenha chamado a atenção.


Penso em antigos amores platônicos, enquanto o chopp esquenta mais que o normal. O que ela estará fazendo? Como ela está depois de tantos anos? Espero que esteja bem, dormindo neste momento, com um sono descansado e feliz. Procuro um local no balcão que esteja refrigerado, para que o chopp não esquente tão rapidamente.


No momento em que uma espanhola bêbada pede uma pizza sobre os meus ombros, pensei em Bukowski dizendo que o álcool é uma sinfonia, que você bebe para ir pro céu enquanto está sofrendo ou sendo pressionado. Algo assim.


Espero pra receber outro chopp das atendentes, diversas, que não me olham. Resolvo chamar e me atendem. Muitos jovens e um ritmo frenético. Somente eu centrado no celular, escrevendo, com a vista dos doces embaçados pelas bordas do celular no balcão.


Pensamentos existencialistas pululam. O que será daqui pra frente? Penso no meu moleque e no meu amor clichê por ele. O que de mais importante existe.


Outra vez Bukowski, O Amor é um Cão dos Diabos.


Acendo outro cigarro. Bateria acabando. Guardo o celular, economizando na esperança que alguém ligue, mesmo sabendo que não vai acontecer.


Copacabana não dorme. Nem eu.






Rio de Janeiro. Copacabana.



terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Com o Mar por Meio, 2017

Quem me conhece sabe que os meus escritores preferidos são Jorge Amado e Saramago. E o melhor, eram amigos.

Neste livro, de fácil leitura, Paloma Amado (isto mesmo, a filha e guardiã das obras), compilou diversas cartas entre os dois gênios, muitas delas cedidas gentilmente (digo gentilmente, pois nós podemos ter acesso a tais cartas) por Pilar, a esposa de Saramago, relatando as suas confidências e, até mesmo, algumas fragilidades, como se fossem mortais.

O ponto alto das trocas de confidências é a discussão acerca da injustiça do prêmio Nobel de literatura para a língua portuguesa e, mais, da injustiça de Jorge Amado nunca ter recebido o prêmio, ainda mais para o idioma mais bonito que conheço (assunto para outra postagem).

Não vou publicar, desta vez, a capa do livro. Vou publicar uma foto que gosto muito, na frente da Fundação Casa de Jorge Amado, foto esta que, inclusive, está no meu escritório.


Feliz de, no primeiro dia do ano, falar de Jorge Amado e Saramago. Poderia passar horas escrevendo.

Leiam com um bom alentejano. Merece.

Um grande ano a todos e que se renovem as energias para 2019.

Rio de Janeiro, Copacabana, olhando o mar que está no meio.