domingo, 16 de dezembro de 2012

Testamento sem rima


Não,
não estou deprimido,
sequer doente,
apenas precavido

Desde já peço,
a quem couber meu corpo,
que saiba que eu não estou mais lá,
e por isso pode me cremar,

No meu dia,
como diz o samba,
nada de choro nem vela,
quero a alegria ebriada,
e as lembranças de minhas estórias

Após o dia fatídico,
não quero visitas no domingo,
preces de obrigação
quero lembranças

Aos meu amigos
deixo a alegria melancólica
os vinhos e a boemia
E, sobretudo, a lealdade sem dúvidas

A alguns poucos,
a noite da Guanabara,
o vagar pela Zona Sul
e o fim de noite no Leblon

Às minhas irmãs,
Espero ter deixado algo,
Não sei,
que elas saibam que eu as ame,
que eu não existiria sem elas e que fiz tudo que pude

À minha mãe,
quero ir depois dela,
pois sei que não fui o filho perfeito,
mas dor maior deixarei se me ver morrendo

Para a Preta,
Deixo Morrissey e os Smith's
a paixão pelos livros
a paixão pelo vinho e pela noite
E meu amor infinito e quase suicida

Ao meu filho
Deixo o clichê,
não menos verdadeiro,
de amor incondicional e eterno
O conhecimento que ainda pretendo dar
e a honestidade,
mesmo sabendo que
honestidade em boca própria é impropério

Os meus bens materiais,
enfim,
Não me interessam,
minha mulher dá fim...

Da base.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Mais uma estória de violência

Na última segunda-feira eu e a Preta quase fomos vítimas de um assalto ou, pior, de um sequestro relâmpago. 

Tomando um caminho que faço há três anos, no mesmo horário das 15 horas da tarde, vejo um carro desviar e revelar, na minha frente, um meliante com arma em punho, para que parássemos o carro, com o intuito de assaltar ou, sabe-se-lá, nos tomar de sequestro ou algo parecido. Eu, não sei se certo ou errado, baixei a Preta e avancei sobre o assaltante - Prefiro chamar assim, para não dizer sequestrador e, muito menos, assassino. Óbvio que não o atropelei e, graças a Deus ou qualquer um que esteja lá em cima, seja anjo da guarda, qualquer Santo, Alá ou similar, não teve maiores consequências que não um grande susto.

Daí me passou uma semana de reflexão. Contei a estória para alguns amigos e, inclusive para um amigo meu, que todos me questionaram a via que eu estava pegando e, alguns, que eu não deveria ter feito o que eu fiz, de não parar e avançar sobre o bandido. Ora, de início, não sou adepto da ciência da vitimologia. Não acredito, sob nenhuma hipótese, de que a vítima, no caso eu e a Preta, estamos propiciando qualquer influência para sermos assaltados pelo simples fato de termos pego a mesma via que pegamos no mesmo dia e na mesma hora há três anos. Segundo, não poderia ter agido diferente, pois se parasse, não sei o que aconteceria com a Preta e, quiçá, com o meu filho, que poderia ser objeto de alguma chantagem, mesmo estando em casa.

Cada vez mais, penso no meu repúdio desde à época de adolescente à mentalidade pequeno-burguesa de afastar a pobreza e a criminalidade de todos, como se fosse um câncer social e que as pessoas fingem que não vêem e se encastelam em seus condomínios fechado e quem tem recursos compra a segurança e não está na rua.

Vejo a impossibilidade de estar na cidade a pé, sem os carros de vidro fechado e películas negras como o breu. Vejo um mundo lá fora paralelo ao que vivemos, com violência e ritmo de vida que não chegam à classe média e, pior, quando se fala nesse mundo, fingimos não acreditar e que ele não existe.

Cada vez mais esse mundo paralelo cresce e as formas de proteção vão sendo tomadas por quem tem dinheiro, ao mesmo compasso que estes mesmos fingem não ver a violência. Carros blindados, condomínio fechado, segurança, nunca ir para a periferia ou tomar vias que passam por áreas de caráter duvidosos, poderia escrever mais uns quinze parágrafos sobre este assunto e continuaria sendo atual e instigante, demonstrando o total e completo afastamento da violência que nos circunda e, mesmo assim, fingimos ter uma postura britânica de indiferença acerca do tema.

Para abreviar esta conversa, eu, vejo, virei um pequeno-burguês, que ignoro a violência que está a minha volta e entranhada na minha vida, fingindo não acreditar que ela existe, dentro de um condomínio fechado, trafegando por ruas movimentadas e tomando, instintivamente, as precauções de estilo.

E esta mentalidade pequeno-burguesa se acentuou após o incidente da segunda-feira passada.

Da base.