terça-feira, 22 de janeiro de 2019

O Machado de Xangô


Após um final de semana sentimentalmente cansativo e uma segunda-feira de trabalho de volta de recesso judiciário, decidi ir ao bom e velho Cosanostra, que sempre posso ficar no balcão sem incômodos. Logo surgem os habitués do local. Primeiramente Romeuzito, com a sua simpatia peculiar e o seu perfume sempre em dia e, após, a esquadrilha da fumaça completa. Saímos pra fumar e eu, sempre ligado no celular, já um pouco mais relaxado e tranquilo.

Fugi deles e voltei pro balcão. Queria a minha introspecção solitária de franciscano enclausurado, ainda que conectado nas redes sociais da vida. Sem comer desde o almoço do dia anterior, pensei em pedir um tira-gosto quando, vejo passar na frente do Cosa o Edney, voltando pra casa. Claro que o chamei e sentamos na frente para termos mais liberdade pra fumar.

Conversa sempre deliciosa. Cara incrível e um grande amigo, fiel e parceiro, fizemos piadas sobre as nossas vidas perdidas, arte (a arte é inútil, como diria Oscar Wilde no prefácio de Dorian Grey, mas mesmo assim, eu e Edney, concordávamos que vivíamos dela, de certa forma) e conversamos muito sobre desilusões – ou ilusões – amorosas.

No meio da conversa, apareceu um jovem nervoso vendendo um chaveiro. Aparentava não mais que 26 anos, gaguejava. Estava vestido com uma camisa branca amarrotada de mangas compridas e velha, com os punhos enrolados até o meio do antebraço, calças jeans clara e surrada e, o que me chamou atenção, umas sandálias havaianas brancas, que mal cabiam no pé, fazendo com que os dedões ficassem pra fora da sandália, encostados no chão.

Dizia ele, com a voz embargada e pronunciando as palavras pausadamente como quem não conseguisse concatenar as ideias, que já vendeu todos os chaveiros que ele mesmo produziu e que somente faltava este, que estava espalmado na sua mão e que venderia por qualquer valor.

No que pese a figura amena do jovem, logo veio algo que tensionou minhas costas e, particularmente, a minha omoplata. Senti que estava em uma bolha, que me puxava as energias e me deixava apreensivo.

Edney logo falou para o jovem que não queria o chaveiro, mas queria ajudá-lo e perguntou como seria. O Jovem, muito constrangido e gaguejando disse, dando uma pausa de alguns segundos, que seria com dinheiro. Logo, o meu amigo puxou uma nota de vinte reais e deu para o jovem, que se virou pra mim, ainda que tivesse sido o Edney que tivesse dado o dinheiro, tentando me dar o chaveiro espalmado na sua mão e reafirmando que ele mesmo tinha feito. O Edney puxou a atenção pra si e disse pra ele levar o chaveiro e vender pra outro, que talvez conseguisse algum valor.

Instantaneamente toda a carga que pesava sobre as minhas costas foi embora, ficando apenas um resquício que ainda paira agora.

Com o jovem longe, Edney me fala que aprendeu a respeitar as criaturas da noite e me pergunta se eu sei o que era o chaveiro. Digo que não e ele me fala que é o machado de xangô.

Da base, em 22/01/2019.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Insônia

Ainda estou com sono, mas não consigo dormir. Após acabar o segundo cigarro, furtado do meu cunhado, constato que ainda não é o dia para eu parar de fumar. Deixo um bilhete no sofá, mesmo sabendo que ninguém vai ler. 


Parto da vista do mar, procurando cigarros. Subo a Miguel Lemos e desço a Nossa Senhora de Copacabana. Paro no primeiro bar a esquerda, como manda a tradição. Stalos é o nome. 


Bar lotado, apenas vaga no balcão, que é melhor, pois minhas costas doem, meio tensão de um dia difícil, meio resposta de uma vida toda sentado.


Compro um chopp e, após dar um trago, vontade de escrever. Difícil escrever no celular, preciso do meu computador. Um jovem de cabelos descoloridos fica me olhando e me analisando, enquanto outro jovem lhe acaricia as costas. Talvez seja a minha camisa do Morrissey que tenha chamado a atenção.


Penso em antigos amores platônicos, enquanto o chopp esquenta mais que o normal. O que ela estará fazendo? Como ela está depois de tantos anos? Espero que esteja bem, dormindo neste momento, com um sono descansado e feliz. Procuro um local no balcão que esteja refrigerado, para que o chopp não esquente tão rapidamente.


No momento em que uma espanhola bêbada pede uma pizza sobre os meus ombros, pensei em Bukowski dizendo que o álcool é uma sinfonia, que você bebe para ir pro céu enquanto está sofrendo ou sendo pressionado. Algo assim.


Espero pra receber outro chopp das atendentes, diversas, que não me olham. Resolvo chamar e me atendem. Muitos jovens e um ritmo frenético. Somente eu centrado no celular, escrevendo, com a vista dos doces embaçados pelas bordas do celular no balcão.


Pensamentos existencialistas pululam. O que será daqui pra frente? Penso no meu moleque e no meu amor clichê por ele. O que de mais importante existe.


Outra vez Bukowski, O Amor é um Cão dos Diabos.


Acendo outro cigarro. Bateria acabando. Guardo o celular, economizando na esperança que alguém ligue, mesmo sabendo que não vai acontecer.


Copacabana não dorme. Nem eu.






Rio de Janeiro. Copacabana.



terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Com o Mar por Meio, 2017

Quem me conhece sabe que os meus escritores preferidos são Jorge Amado e Saramago. E o melhor, eram amigos.

Neste livro, de fácil leitura, Paloma Amado (isto mesmo, a filha e guardiã das obras), compilou diversas cartas entre os dois gênios, muitas delas cedidas gentilmente (digo gentilmente, pois nós podemos ter acesso a tais cartas) por Pilar, a esposa de Saramago, relatando as suas confidências e, até mesmo, algumas fragilidades, como se fossem mortais.

O ponto alto das trocas de confidências é a discussão acerca da injustiça do prêmio Nobel de literatura para a língua portuguesa e, mais, da injustiça de Jorge Amado nunca ter recebido o prêmio, ainda mais para o idioma mais bonito que conheço (assunto para outra postagem).

Não vou publicar, desta vez, a capa do livro. Vou publicar uma foto que gosto muito, na frente da Fundação Casa de Jorge Amado, foto esta que, inclusive, está no meu escritório.


Feliz de, no primeiro dia do ano, falar de Jorge Amado e Saramago. Poderia passar horas escrevendo.

Leiam com um bom alentejano. Merece.

Um grande ano a todos e que se renovem as energias para 2019.

Rio de Janeiro, Copacabana, olhando o mar que está no meio.