quarta-feira, 5 de julho de 2023

Baiana


De Orixá
Yemanjá
Também de encantados
Iara


Morenice jambo
que encanta
O sorriso pequeno
que enfeitiça


As covas fincadas na face
como poços de luz
hipnotizam
Seduz


A meninice preta
imune ao tempo


Da base, 07/07/2023


quarta-feira, 24 de maio de 2023

O Barão

No início da década de noventa, durante os meus dezesseis aons, nas cercanias do saudoso colégio Moderno, onde estudava, existia uma figura hoje lendária, o Barão, que andava pela Braz de Aguiar e Benjamim, sempre transitando com desenvoltura e fazendo piadas nas rodas de jovens. Falar com o Barão era estar na “high society” paraense ou, pelo menos, assim se considerava na época.

O Barão transitava entre os Ponto de Bala, em frente a Zoomp, a Company, o famoso Manga Café, hoje inexistentes, mas, principalmente, na frente do Cosanostra, no pedaço mais badalado de uma Belém burguesa e jovem, nas quais desfilavam carros do ano importados, roupas de marca e esbanjamento de dinheiro, na engarrafada Braz de Aguiar, para os que querem ver e ser vistos.

Aparentando já ter cerca de quarenta anos, baixo, negro, sempre com roupas descoladas das marcas de grife que circundavam a Braz de Aguiar, destoava dos moleques brancos de quinze ou dezesseis anos que rondavam o local durante o dia, sejam os da alta sociedade ou mesmo de uma classe média que queriam estar entrosados. Mas, como disse, andava pelas rodas com desenvoltura e falando com todos, sem realmente conhecer ninguém.

Barão guardava carros na frente do Cosanostra, em seu auge, quando lotava a Benjamim Constant e a Braz de Aguiar. Naquela época, os desfiles de carros e a vontade de ser visto era tão grande que os carros não passavam ou passavam vagarosamente pela Benjamim, mas não havia nenhuma buzina ou irritação, apenas a espera para o “desfile”.

Pela tarde, quando saia da escola, via a desenvoltura do Barão, mas nunca tive o acesso para falar com ele. Somente o via, mas sem poder chegar.

Pela noite, quando os cabelos dos frequentadores começavam a esbranquiçar, uma vez vi a desenvoltura do personagem, transitando na frente do Cosanostra e do Manga Café, quando saí com o meu pai, sem no entanto entrar em nenhum dos dois bares.

A verdade que essa vida noturna de Cosanostra e Manga Café, na época, era um pouco difícil para quem morava no Guamá, com amigos lisos e em uma Belcity que os ônibus paravam de funcionar às onze horas da noite e somente voltavam às seis da manhã, tratando somente de chegar na Braz de Aguiar. Se formos considerar o preço de um bar da moda, como era o Cosanostra, era inacessível.

A crônica está longa, mas não posso deixar de contar uma das últimas do Barão: Um amigo, assíduo frequentador do “Cosa”, arranjou uma namorada extremamente ciumenta. Ambos conhecedores do Barão das áureas épocas. Esta, disse que o celular do Barão era muito antigo e deu um celular novo para ele. Todo dia, às seis e trinta da tarde, ela ligava para o Barão para saber se o meu amigo já tinha chegado no Cosanostra e se estava acompanhado. O Barão, inocentemente, passava toda a ficha.

Nunca soube se o Barão era mesmo um cara de bom papo, se era amigo ou, mesmo que inconscientemente, uma forma da elite de amenizar sua culpa pela desigualdade social naquele local tão elitizado. E o Barão, inocentemente, se beneficiou da sua figura “cult”.

Hoje, saindo do “Cosa”, fui buscar o meu carro na esquina, sob uma chuva torrencial, e ele estava lá, como esteve durante estes, pelo menos, trinta anos, molhado, sem mais as roupas de grife, mas vestido com um daqueles coletes de guardador de carro fluorescente e um cabelo artificialmente negro graúna. Dei-lhe algum dinheiro, desejei boa sorte e disse: - até a próxima, Barão!

Da base, 24/05/2023.