quinta-feira, 9 de agosto de 2018

A Espreita

Está em todo lado
Como o ar
Envolta na fumaça do cigarro
E no fundo do copo

Violenta
Doente
Premeditada
Repentina

Qual a fuga?
Viver ou morrer na vida
Essa vida agora irresponsável

Se a morte me espreita
não me incomoda se vou,
mas o que fica
quem ainda tem a vida

Vai precisar de mim?
A minha escuridão será a dele?
Medo

Da base.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

As Pequenas Violências do Dia-a-dia e o Poder Efêmero

Tenho valores para receber de uma ação judicial. Consultando o andamento no sítio do Tribunal respectivo, vi na internet que havia despacho determinando a manifestação do devedor, mas não constava que foi publicado e não encontrei a publicação no complicado acesso ao Diário de Justiça da União.

Decidi ir ao Tribunal, tão somente para verificar se foi publicado o despacho prolatado há cerca de 15 dias e, caso não tenha sido, que houvesse a publicação. Passei quarenta minutos no trânsito paraense infernal rodando para estacionar. Até aí aparentemente nenhum problema, se não fosse que o trânsito estava péssimo por pura falta de educação dos motoristas, com carros mau estacionados, ocupando duas vagas, carros fechando o cruzamento, filas duplas, caminhões nas ruas em horário de pico, dentre outras má educações comuns no trânsito paraoara. Ando duas quadras no sol a pino de duas horas da tarde e chego na Justiça somente para pedir que fosse publicado. Resumindo, a atendente, servidora pública federal, em clara má vontade,  me disse que não podia fazer nada, pois tinha um parecer (sequer sei se é possível isso!) que dá o prazo de 60 dias para publicação.

Pedi celeridade, disse que se tratava de verba alimentar, que o processo já estava julgado e que se tratava de uma mera publicação, em uma submissão de um cachorro que estava levando bronca do dono. Aos que trabalham com Justiça sabem que brigar com servidor é pior que brigar com Juiz, pois se a Justiça já é morosa, com a briga, o processo não vai andar nunca mais.

Pois bem, a servidora me deu de ombros, fez uma cara irritada (como se eu estivesse pedindo favor! Pasmem!) e colocou o processo ao lado de sua mesa, dizendo que tinha até fim de setembro para a publicação!

E não pensem que isso é uma situação que somente acontece nesta República das Bananas. Estava domingo em Miami, Estados Unidos da América, quando estacionei o carro em um estacionamento privado. Aos que conhecem, sabem que a grande maioria dos estacionamentos são completamente automatizados e que se paga em maquinetas. Por causa do meu inglês aprendido com Joel Santana, acabei colocando um dos dados do veículo equivocado, mas um erro de fácil identificação, ainda mais que o boleto tinha que ficar dentro do carro e à vista de um eventual fiscal, o que fiz. Quando chego, havia uma multa administrativa e desta vez havia um fiscal do estacionamento. Fui conversar com ele, primeiro perguntando o motivo da multa e após explicando que foi mero erro, que o estacionamento estava pago e que o boleto estava no carro, visível. O funcionário contratado pelo estacionamento, com a empáfia de um sargento em bordel do interior, me julgou naquele momento, disse na fundamentação que não poderia fazer nada e aplicou a pena sumária de multa!

No mesmo dia, pela noite, fui embarcar de volta ao Brasil pela LATAM que, para mim, é a empresa campeã das pequenas violências ao consumidor. Acho que a companhia têm um manual, de observância obrigatória, intitulado "Como Irritar o Consumidor da Latam - Subtítulo: "Deixe o Passageiro Puto e Ainda Tire Sarro!". Começou na fila, em que mantenho um cartão de crédito da empresa apenas para ter embarque prioritário. O Cartão não serve mais para absolutamente nada, só para ter prioridade no despacho de bagagens e embarque. Quando apresentei o cartão, veio uma funcionária brasileira dizendo logo que este cartão somente serve no Brasil, no exterior não serve. Questionei o motivo, pois a empresa é a mesma e ela na sua autoridade momentânea, no seu pequeníssimo e brevíssimo nicho de poder, apenas sentenciou que não tinha validade e nada mais.

Cheguei no guichê e notei que os meus assentos, que estavam juntos com a Preta e o moleque, marcados há meses, foram modificados aleatoriamente pela empresa. Reclamei, claro. A atendente, na maior da boa vontade e me dando razão, chamou o supervisor pelo rádio, supervisor este que nunca chegou e eu, decidi colocar mais uma vez a minha raiva no saco e somente pedi para colocar-nos em assentos juntos e fui para a imigração.

Após esse dia, ainda tive que encarar a arrogância e a autoridade contra latinos que os agentes de imigração americanos, que geralmente também são latinos, possuem. "Cucarachas" com Green Cards, que sistematicamente ofendem outros "Cucarachas" (neste e em outros dias, esse cucaracha era eu!), como se todos não fossem latinos, dentro de seu pequeno espaço de poder de conferencistas de passaportes. Como diria o saudoso Paulo Silvino, o espaço de poder do cara-crachá!

Muitos devem estar lendo e dizendo que eu não deveria aceitar, que deveria fazer reclamações e entrar na Justiça! Não aceito! Reclamo sempre! Ao vivo e nos sites e ouvidorias respectivas! Mas o resultado é, no máximo, uma carta de desculpas padrão! Em todos os casos essas violências são praticadas por pessoas que estão dentro do seu pequeno nicho de poder e que acham que podem descontar a violência diária que recebem, em um sistema de propagação de pequenas violências e em um ciclo interminável de disseminação de ódio. Um poderzinho efêmero e arrogante, geralmente tidos por pessoas que não têm nenhum preparo para ter qualquer poder, que os titulares acham que lhes dá um salvo conduto para praticar o que querem ou, no mínimo, criar dificuldades. Esta é a moral e lógica do ódio de hoje.

Quanto a entrar na Justiça nesses casos, absolutamente inútil! Primeiro que se vai ter que passar por um processo longo e penoso, com mais pequenas irritações como a que relatei no primeiro parágrafo. Segundo, estas pequenas violências não são tuteláveis pelo direito, ante o princípio de que o direito não lida com bagatelas.

O fato é que, essas violências vão se repercutindo e passando de pessoa por pessoa, em um ciclo interminável de ódio, até chegar na sua ponta, que pode ser uma briga de rua, o marido agredindo a esposa quando chega cansado no final do dia ou a esposa agredindo o marido, o filho apanhando ou, até mesmo, um eventual assassinato, na rua ou em casa, em um momento de raiva e descontrole.

Os mais antigos devem se lembrar de um filme do início da década de 90 chamado "Um Dia de Fúria" ("Falling Down"), estrelado por Michael Douglas. Foi um filme de muito sucesso na época, que conta a estória de um dia de um pai de família e trabalhador sério e honesto, que começa sendo despedido por injustiça e passa por pequenas violências no dia, como na clássica cena em que entra em uma rede de fast food e recebe o sanduíche completamente diferente do que está na foto do anúncio. Acaba que ele agita toda Los Angeles e faz uma barricada, se bem me lembro, com um arsenal de armas em uma praça e o exército querendo pegá-lo, mas não consegue em face do grande estoque de armas e munições que possui. E tudo que ele queria era tão somente chegar no aniversário de sua filha. O filme é fantástico e ilustra muito bem esta mais que extensa crônica e os dias que vivemos hoje.

 Aliás, todas essas pequenas violências que passei e que muitos de vocês passam também (e que muitos escondem), poderiam se encaixar muito bem na película, confessando que têm dias que gostaria de ser o Michael Douglas em determinados momentos do filme, como na cena em que ele quebra toda a lanchonete.

Da base.