quinta-feira, 26 de maio de 2011

Bardalo

Descobri domingo, com tristeza, que fechou o Bardalo. Para os que não conhecem, Bardalo é a contração do nome "Bar do Seu Bordalo", que ficava localizado na Avenida Bernal do Couto, entre as Don's Romualdo's, de Seixas e Coelho, comandado pelo português legítimo, tunante e sócio do Grêmio Literário Português, Teófilo Bordalo de Souza.

Primeiro a figura, que veio para o Brasil na adolescência, tentar a vida, passando por todos os tipos de profissão que o lusitano passa: feirante, padeiro, vindo a culminar como dono de bar. O mais famoso que teve ficava na João Balbi com a Generalíssimo, depois mudando de endereço para onde funcionava atualmente, o único que eu conheci.

Muito simpático e alegre, possui uma memória invejável, mesmo do alto de seus oitenta e cinco anos, contando passagens da vida política e social, de épocas remotas, que não vi ninguém se lembrar. Possui conhecimento de todas as pessoas de Belém, conta detalhes dos acontecimentos e de suas vidas íntimas. A alegria é peculiar, nunca o vi irritado ou zangado, sempre fazendo uma brincadeira, geralmente de duplo sentido, com os frequentadores do bar.

Me lembro sempre de sua figura tomando cerveja com os clientes, chorando como um garoto quando ouvia o refrão "... bandeira branca amor, não posso mais...." e, quando chegava nove e meia da noite , olhava para os clientes e dizia, com o sotaque português: "vamos, está na hora de eu ir dormir...".

Aliás, chamar de clientes os frequentadores é injusto, pois são todos amigos. A mim, creio que tem um carinho especial. Eu tenho por ele.

Durante muito tempo o bar e o seu Bordalo fizeram parte da minha vida. Quando queria me divertir era para lá que ia, mesmo em dias da semana. Quando algo me chateava, ía no fim da tarde ao Bardalo, ouvir as histórias da política baratista ou do começo da vida pública do Jáder Barbalho, sempre entremeadas com brincadeiras e uma cerveja, as vezes com um  queijo cuia. Não gostava do sábado antes do almoço, que era o dia de todos frequentarem. Gostava da semana, com poucos, quando podia ouvir o Teófilo, como alguns o chamavam.

O inusitado foi quando descobri que o seu Bordalo se lembrava do dia em que eu nasci. Mesmo que por coincidência tenha passado a frequentar o bar, apenas por ser perto da casa da minha mãe, descobri, não sei porque, que no dia em que nasci o papai passou pelo bar, ainda na João Balbi, viu uma cerveja antártica e perguntou se tinha no local, pois na época em poucos lugares de Belém vendia a marca de cerveja preferida do papai. "Tem tanta que está até vendendo!", deve ter respondido o Teófilo, uma de suas brincadeiras preferidas. Foi aí que teve o meu primeiro "mijo".

Contavam, seu Bordalo e Papai, que neste dia se conheceram e, muitos anos depois, se reencontraram, já no bar novo, quando o papai tinha saído para comprar jornal e passou pela frente do bar. Não tenho certeza, mas acho que me lembro desse dia, quando moleque desci do apartamento que morava com o papai e mamãe  para ver porque a compra do jornal estava demorando e encontrei os dois conversando. Eu, por coincidência do destino ou por simplesmente meus pais terem comprado um apartamento próximo, conheci, anos depois, o seu Bordalo.

Parei há algum tempo de frequentar o Bardalo, em busca de locais mais sofisticados, o que hoje me arrependo, pois não abrirá mais e, mesmo que ainda continue ouvindo as estórias contadas pelo Seu Bordalo, quando eventualmente encontrá-lo, não será acompanhado pela cerveja mais ou menos gelada, no balcão, onde sempre via a máquina registradora da década de quarenta ou cinquenta, capenga, mas ainda funcionando e, certamente, não terá a mesma alegria que possuía.

As estórias do Bar do Seu Bordalo são tantas que outras vezes trarei para complementar as minhas memórias. O Bardalo é um dos últimos da geração de bares comandados por portugueses por aqui, restando, pelo que me lembro, somente o Paladino, com o tradicional queijo cuia, na esquina da Oliveira Belo com a Generalíssimo Deodoro.

Da base, Belém, Pará.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ary, ja ouvi muitas estorias do S. Bordalo contadas pelo Paulo, meu concunhado, que tb era frequentador assiduo, realmente algumas situacoes eram muito engracadas.