quarta-feira, 29 de julho de 2020

Carta à Iracema

A Preta acaba de me falar que ela me adorava! Acredito que sim, pois a minha empatia com ela aconteceu da primeira vez que a vi, quando brigou comigo na hora que soube que eu namorava a Preta! Me disse: - Cuida bem dela, pois se não cuidar vai se ver comigo!

O Tim, cunhado dela que estava presente, logo assentou: - Ela fala isso pra todo mundo! Na minha época, falou a mesma coisa!

Já me demonstrou o grande coração que tinha!

Logo depois, em 2003, fui morar no Rio de Janeiro, a trabalho, e quando chegamos, durante o carnaval, eu e Preta, o Rio estava queimando ônibus, manifestações, todo o trânsito parado e mais todos os tipos de mazelas que assolavam a Cidade Maravilhosa, onde ela morava! Eu estava com apartamento alugado, transporte, mas no dia, tudo deu errado! Preta quis ficar na casa dela e eu não aceitei por não conhecer ou por sentimento de masculinidade ferida! Errei, hoje tenho certeza! Enfim, mesmo não estando na casa dela, passamos uma noite por lá, dentre cozinhas e bebidas, que era o que ela adorava! Foi a melhor noite na minha nova fase!

Após, durante todo o ano de 2003, todas as sextas a noite eram dela! Melhor, delas! Eu, Solange e seu grande e eterno amor, Iracema, que diferente da de José de Alencar, tem uma beleza negra incomparável e um humor subliminar cativante e apaixonante!

Naquele ano, todas as noites de sexta tive experiências incomparáveis. Combinávamos de eu levar a bebida, para combinar a cozinha incrível que ela tinha e que ela me dizia o cardápio para harmonizar a bebida. Uma das paixões da minha vida, a de cozinhar, começou com ela e as conversas sobre literatura, política, ditadura (ah..., as conversas sobre a ditadura..., quando ela contava que escondia perseguidos em sua casa no Leblon...) eram incríveis! Falava de Nélida Piñon e outros imortais como se estivessem sentados do nosso lado! Iracema, geralmente, chegava a madrugada, se despedia e ia dormir! Aí era a nossa hora para conversar! Não raro amanhecíamos, geralmente acompanhados de um Ballantines, sua bebida preferida!

Hoje bebo um Balla!

Tivemos noites memoráveis, como a que ela me contou como foi para o Rio de Janeiro e o começo dela com Iracema.

Deixava as noites de sexta no Rio para ficar no apartamento na Pinheiro Guimarães em Botafogo, com a lateral para o morro, olhando os macaquinhos que chegavam nas árvores ou, na frente, olhando aquela sacada com o amontoado de vida entre a máquina de escrever, livros e o arquivo de metal com a história (des)organizada de uma cinéfila, leitora e ativista, que deve ter mudado muitas vidas!

Se não mudou muitas, a minha mudou! Sou outra pessoa depois daquele 2003! 

Aliás, meu pedido de casamento foi quando estava hospedado na casa dela! No meio quarto, meio biblioteca! Eu e a Preta terminando no pedido de casamento e elas fingindo não ouvir!

Foram muitas histórias, desde uma visita ao Bracarense eu, ela e a Preta, quando um dia nos hospedamos na casa da Solange, até uma viagem (memorável) nossa, desculpe Preta, mas nossa significa eu, Solange e a Iracema para Parati! Que viagem, em que a Solange queria por que queria ver um teatro de bonecos, em um teatro amontoado, que eu e a Iracema não queríamos e que foi inesquecível!

Anos depois veio morar com elas a Melina, sobrinha da Iracema que, como eu, foi pro Rio para estudar. Claro que estou sendo pretensioso, mas me senti representado! O amor por Melina, nas conversas posteriores, era um amor de uma esperança na terra, de dias melhores e de que a humanidade possa ser melhor com essa menina.

Me recuso a falar do currículo como profissional que era! Não que a Doutora não tinha! Quero experiência, a vida que viveu e o seu coração, que nunca vou conseguir expressar aqui, como foi o amor pela mãe, Dona Consuelo, que dizia sempre que era a melhor amiga dela. E uma vez, a Dona Consuelo me confirmou que, o que ela sentiu mais falta na vida, foi quando a Solange foi embora pro Rio pois, naquela época, era a amiga e companheira.

Como diria o clichê, sofro com cada dia perdido, com cada dia que estive no Rio e não fui visitá-la, com cada minuto que não disse que a amava! Aliás, nunca disse que a amava! Se um dia você ler isso, Iracema, saiba que a amava!

Amiga Iracema, quero lhe pedir sinceras desculpas! Deveria estar aí com você! Pegar um avião, carro, ônibus, sei lá, chegar de alguma forma ao Rio de Janeiro! Mas hoje, só posso lhe dar as minhas lágrimas (neste momento copiosas) e a eterna lembrança da Solange.









Da base.

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