terça-feira, 20 de julho de 2010

A Idade ou, como segundo título, O Bode

Nos corredores do Forum trabalhista, com pressa para ver os autos antes da audiência, me deparei com uma pessoa que não via há exatos dezesseis anos. Parece que ficou mais surpreso que eu, pois me disse, de pronto, "tu estás muito envelhecido". Não tive outra reação, a não ser dizer que fazia muito tempo que não nos víamos.

Chegando em casa, contando o episódio, a Preta me retrucou, com a genialidade simplista que lhe é peculiar, que eu deveria ter perguntado se ele não se olha no espelho, mesmo que sequer o tenha visto antes ou saiba quem é.

O fato é que faz mais de quinze anos que não o via e somente não quis conversar com ele pelo fato de que não me lembrava de seu nome, mas tão somente de seu apelido, Bode, que não é uma denominação educada para ser dada em uma sala de audiências. Contive-me.

Me lembro do Bode quando jogava bola no meio da rua, em um conjunto no subúrbio paraense. Na época, ambos éramos magros, atléticos e ágeis. Nunca foi meu amigo. Aliás, conhecíamos de longe e sem nenhuma intimidade.

Depois da citação do Bode acerca de minha aparente idade, tão de surpresa que me deixou quase mudo, passei na audiência a observar o conhecido de outrora, tentando arranjar uma justificativa para o comentário dele. Não precisou muito:

Os seus cabelos, já não cobriam toda a cabeça. Aliás, a cobriam muito pouco. Ostentava um calo abaixo do peito, de tal tamanho que o cinto não se fixava na cintura, mas bem abaixo dela. Aliás, o cinto era um atrativo a parte. A fivela se voltava para o chão, mais parecendo que estava sustentando a protuberante barriga do que efetivamente segurando as calças ou sendo um acessório que fazia parte da vestimenta.

O seu traje, uma camisa azul marinho com blazer e calça pretas que, no conjunto com a pele morena e o semblante carrancudo, o faziam uma figura sombria. E, mais, foi o primeiro advogado que vi, em meus anos de advocacia, que não usou a gravata na audiência.

O Bode há muito não era aquela figura atlética de exatos dezesseteis anos atrás.

Neste momento, havia até perdido a concentração e o pensamento na audiência difícil e complicada que iria enfrentar e estava me lembrando de uma crônica do Denis Cavalcante, em que ele se encontrava com uma pessoa da sua juventude na Braz de Aguiar e que a primeira reação desta foi dizer a ele como ele estava velho, e o Denis, comedido, preferiu não comentar que a então mulher há muito não era a garota bonita que visitava seus sonhos na juventude.

Pois'é. Me pareceu que o Bode não imaginou que o tempo passou para nós dois.

Pelo menos para mim, com meus precoces e hereditários cabelos brancos e meus quilos excedentes depois que apaguei a idéia do cigarro, tenho certeza de que o tempo passou comigo, não para mim, passando acordado, usufruindo de cada momento, e não passou enquanto eu dormia, como diz a música dos Titãs.

Para o Bode, a julgar pela indelicadeza e futilidade, o tempo passou enquanto ele dormia, como a mesma música.

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