Na Peixaria Cacique, no Município de Itaituba, oeste do Pará, conheci uma família que me chamou atenção, mesmo sabendo que este tipo de família não é propriamente uma raridade na Amazônia. Ele, suíço e brasileiro, com todas as características da primeira nacionalidade, nascido em uma aldeia indígena há mais ou menos quarenta anos (se os meus olhos não me enganam), em virtude dos pais também serem suiços e indigenistas. Ela, brasileira, nascida em Jacareacanga, Pará, não sei se tem dupla nacionalidade, pedagoga. Se conheceram em uma aldeia.
Os filhos, um casal, lindos, a propósito. A mais velha, por volta de seis anos de idade, fala português, alemão e munduruku, e nos brindou, antes do almoço, com uma oração em alemão, em que agradecia pelos alimentos e pedia que todos que necessitem tenham alimentos tão bons quanto teríamos a poucos minutos. Aliás, me encantou muito mais a noção de solidariedade da criança do que propriamente saber falar alemão ou munduruku ou qualquer outra língua. O menor, com pouco menos de três anos, possuía características nórdicas, loiro e olhos azuis, mas com o toque regional da mãe.
A família divide o ano morando na aldeia dos Mundurukus, alguns meses no Município de Itaituba, dando assistência aos índios, e outros tantos meses na Suíça, onde capta recursos para a pequena Organização Não Governamental que presidem, que possui como objetivo a assistência aos índios daquela tribo.
A característica familiar é necessária para explicar que, em um dado momento da conversa, em volta do surubim que estávamos comendo, alguém questionou sobre os recursos que a ONG recebia, por quê eram somente estrangeiros. Ela, em um misto de tristeza e decepção, disse que os brasileiros ainda não estavam preparados para o trabalho que fazia, que não haviam a consciência de ajuda e proteção.
Falaram então de ajuda governamental. Ela, mais falante que Ele, ainda aparentando decepcionada, disse que ficou “arrasada”, palavras dela, quando montou um projeto para ajudar os índios Mundurukus a fazer em agricultura familiar, pois o extrativismo na floresta, seja de frutos, seja de peixe e caça, estava cada vez mais escasso e a saída seria o incentivo à pequena agricultura.
Não vou entrar na discussão de que as ONG's estrangeiras estão na Amazônia para pesquisar ou piratear as nossas reservas naturais. Nem sei se esta ONG é estrangeira ou tupiniquim. Mas o fato é que o Ministério das Cidades, para onde foi enviado o Projeto, negou a verba, sob o argumento de que não dão dinheiro para ONG's.
Ela, aparentemente com o sentimento de que o mais importante é a satisfação das necessidades dos Mundurukus, cedeu o projeto para ser viabilizado pela Prefeitura, não sei se de Jacareacanga ou de Itaituba, não perguntei, e o tal projeto foi aprovado pelo Ministério das Cidades.
Foi liberado dinheiro e tratores, disse. O dinheiro, nunca chegou na aldeia. E os tratores, toda vez que procurava, estava fazendo trabalho na área de alguém.
Escrevo isso olhando do avião para a vastidão do oeste paraense, sobrevoando Alter-do-Chão, na Amazônia, e me perguntando quando será que nós, os Brasileiros, vamos ter a capacidade de cuidar de nós mesmo? Ou será que precisamos do estrangeiro para dizer-nos o que é importante?
Do vôo 5603, Itaituba – Altamira, PA.