No início da década de noventa, durante os meus dezesseis aons, nas
cercanias do saudoso colégio Moderno, onde estudava, existia uma
figura hoje lendária, o Barão, que andava pela Braz de Aguiar e
Benjamim, sempre transitando com desenvoltura e fazendo piadas nas
rodas de jovens. Falar com o Barão era estar na “high society”
paraense ou, pelo menos, assim se considerava na época.
O Barão transitava entre os Ponto de Bala, em frente a Zoomp, a
Company, o famoso Manga Café, hoje inexistentes, mas,
principalmente, na frente do Cosanostra, no pedaço mais badalado de
uma Belém burguesa e jovem, nas quais desfilavam carros do ano
importados, roupas de marca e esbanjamento de dinheiro, na
engarrafada Braz de Aguiar, para os que querem ver e ser vistos.
Aparentando já ter cerca de quarenta anos, baixo, negro, sempre com
roupas descoladas das marcas de grife que circundavam a Braz de
Aguiar, destoava dos moleques brancos de quinze ou dezesseis anos que
rondavam o local durante o dia, sejam os da alta sociedade ou mesmo
de uma classe média que queriam estar entrosados. Mas, como disse,
andava pelas rodas com desenvoltura e falando com todos, sem
realmente conhecer ninguém.
Barão guardava carros na frente do Cosanostra, em seu auge, quando
lotava a Benjamim Constant e a Braz de Aguiar. Naquela época, os
desfiles de carros e a vontade de ser visto era tão grande que os
carros não passavam ou passavam vagarosamente pela Benjamim, mas não
havia nenhuma buzina ou irritação, apenas a espera para o
“desfile”.
Pela tarde, quando saia da escola, via a desenvoltura do Barão, mas
nunca tive o acesso para falar com ele. Somente o via, mas sem poder
chegar.
Pela noite, quando os cabelos dos frequentadores começavam a
esbranquiçar, uma vez vi a desenvoltura do personagem, transitando
na frente do Cosanostra e do Manga Café, quando saí com o meu pai,
sem no entanto entrar em nenhum dos dois bares.
A verdade que essa vida noturna de Cosanostra e Manga Café, na
época, era um pouco difícil para quem morava no Guamá, com amigos
lisos e em uma Belcity que os ônibus paravam de funcionar às onze
horas da noite e somente voltavam às seis da manhã, tratando
somente de chegar na Braz de Aguiar. Se formos considerar o preço de
um bar da moda, como era o Cosanostra, era inacessível.
A crônica está longa, mas não posso deixar de contar uma das
últimas do Barão: Um amigo, assíduo frequentador do “Cosa”,
arranjou uma namorada extremamente ciumenta. Ambos conhecedores do
Barão das áureas épocas. Esta, disse que o celular do Barão era
muito antigo e deu um celular novo para ele. Todo dia, às seis e
trinta da tarde, ela ligava para o Barão para saber se o meu amigo
já tinha chegado no Cosanostra e se estava acompanhado. O Barão,
inocentemente, passava toda a ficha.
Nunca soube se o Barão era mesmo um cara de bom papo, se era amigo
ou, mesmo que inconscientemente, uma forma da elite de amenizar sua
culpa pela desigualdade social naquele local tão elitizado. E o
Barão, inocentemente, se beneficiou da sua figura “cult”.
Hoje, saindo do “Cosa”, fui buscar o meu carro na esquina, sob
uma chuva torrencial, e ele estava lá, como esteve durante estes,
pelo menos, trinta anos, molhado, sem mais as roupas de grife, mas
vestido com um daqueles coletes de guardador de carro fluorescente e
um cabelo artificialmente negro graúna. Dei-lhe algum dinheiro,
desejei boa sorte e disse: - até a próxima, Barão!
Da base, 24/05/2023.